Quando as sombras avançam: o novo momento da milícia no Rio
Na manhã de 13 de outubro de 2025, a Polícia Militar deflagrou uma operação que prendeu 14 milicianos em um esconderijo na Colônia Juliano Moreira, na Taquara — um dos pontos de atuação clandestina na Zona Oeste do Rio. Essa ação, embora destacada na mídia local, é parte de um quadro mais amplo: a consolidação territorial continuada das milícias, cujo impacto vai além das manchetes e toca o cotidiano de milhares de moradores.
Por que estamos vendo novas operações agora?
Nos últimos anos, as milícias no Rio têm expandido seu poder territorial de forma menos visível — não necessariamente por meio de confrontos abertos, mas via inserção institucional, controle urbano e omissão seletiva. Pesquisas acadêmicas demonstram que os grupos milicianos tendem a prosperar em territórios onde a repressão policial é menor e onde há intensa atividade imobiliária.
Ou seja: não basta ocupar com força; eles também prosperam negociando permissões, regularizações e impondo serviços locais, muitas vezes às sombras da legalidade. Uma operação isolada desarticula um núcleo, mas não altera essa engrenagem que já se enraizou.
Além disso, estudo recente do Governo do Estado do Rio de Janeiro aponta que, na AISP 31, há expansão simultânea de facções e milícias em comunidades, além de tráfico e “narcomilícia” — mostrando que múltiplos grupos disputam áreas periféricas com estratégias híbridas.
O impacto real nas comunidades
Para quem mora nos territórios sob controle miliciano, a lógica de convivência se altera radicalmente. Comerciante da Taquara relata que precisa “de autorizações extras” para manter uma banca de alimentos. Uma moradora da comunidade controlada por milicianos afirma ter medo de chamar a polícia em casos de violência doméstica — porque quem responde, na prática, é o grupo paramilitar.
Diferente do tráfico, que atua com violência pontual, as milícias buscam regularizar e “domesticar” o território, definindo regras próprias de circulação, confinamento de comércio e até horários de silêncio. Isso cria uma forma de poder “paralelo” que o Estado vê com cautela: conflito aberto pode gerar efeito político negativo ou chamar atenção midiática indesejada.
Relatos de ex-policiais ou agentes acusados de milícia apontam que a atuação armada serve como instrumento de coerção, mas seu poder real está nos contratos de serviço: gás, TV a cabo clandestina, transporte de vans, taxas semanais de proteção. É um negócio criminal que se mistura ao cotidiano, tornando o enfrentamento mais difícil.
Bastidores: polícia, política e omissões
Uma faceta que muitas vezes escapa do debate público é a participação ou conivência institucional. Em 2024, o Ministério Público do Rio denunciou 17 policiais militares por vínculos com milícias, acusando-os de negociar armas, atuar como motoristas de milicianos e facilitar deslocamentos entre comunidades.
Essa proximidade entre agentes públicos e grupos milicianos não é novidade, mas ganha relevância justamente quando detectamos ações policiais pontuais. A operação no esconderijo da Taquara demonstra que o Estado ainda dispõe de aparato investigativo e de inteligência — mas a eficácia desse aparato depende também de políticas urbanísticas, transparência e fiscalização dos mercados imobiliários.
Especialistas em segurança alertam que operações de impacto são necessárias, mas não suficientes: é fundamental agir sobre as causas estruturais — como o déficit habitacional, ausência de estado em territórios periféricos, e a regulamentação urbana fraca.
O que esperar daqui para frente
- Interrupção de núcleos isolados de milícias pode gerar fragmentação, mas não necessariamente enfraquece o modelo de domínio territorial.
- Ações integradas são urgentes: polícia, urbanismo e controle fiscal precisam atuar de forma articulada.
- Participação cidadã e denúncias confiáveis: sem informação local e monitoramento social, o território retorna ao domínio paralelo.
- Cautela com o “efeito espetáculo”: operações altamente visíveis atraem atenção política, mas também podem gerar retração de longo prazo se não forem bem sustentadas.
Em resumo: operações como a da Taquara são necessárias, mas o que de fato determina se haverá mudança é o trabalho persistente no espaço urbano, social e institucional. É ali, nas entrelinhas da rua, e na rotina dos moradores, que se define se a milícia avança — ou se regride.
Referências
- Relatório do Governo RJ / Fórum Permanente dos Centros Comunitários de Segurança (ISP) — “Relatório 2024” https://www.rj.gov.br/isp/sites/default/files/2024-06/Relat%C3%B3rio%202024%20%20I%20F%C3%B3rum%20Permanente%20dos%20CCS.pdf?
- Agência Brasil – Operação contra milícia no RJ: prisões e armas apreendidas https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-07/rj-operacao-policial-contra-milicia-tem-prisoes-e-apreensoes-de-armas-e-drogas?
- Observatório das Metrópoles / boell — “A expansão das milícias no Rio de Janeiro: vantagens políticas e econômicas” https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/a-expansao-das-milicias-no-rio-de-janeiro-vantagens-politicas-e-economicas/
- Geni / estudo Grande Rio sob Disputa mapeamento de confrontos – https://geni.uff.br/2024/06/05/grande-rio-sob-disputa-mapeamento-dos-confrontos-por-territorios/




