Quando o som vence o silêncio: música e união no Morro do Andaraí
O relógio marca sete da noite quando o som dos tambores começa a ecoar na Rua Leopoldo, no Morro do Andaraí, Zona Norte do Rio. No alto do morro, o barulho dos tiros deu lugar ao ritmo do Projeto Batuque da Vida, criado por jovens que decidiram transformar o medo em movimento.
“Quando a gente toca, o morro inteiro escuta. É o som da resistência”, diz Gabriela Souza, 22 anos, moradora da comunidade e uma das percussionistas do grupo. O projeto nasceu em 2020, em meio à pandemia e ao aumento da violência policial na região. Hoje reúne cerca de 40 crianças e adolescentes, que aprendem percussão, canto e convivência comunitária.
Esperança entre becos e vielas
O batuque acontece toda quarta-feira na Praça São Miguel, um espaço pequeno, cercado por grafites coloridos e bancos improvisados com madeira reaproveitada. “Aqui era ponto de venda. Agora é ponto de cultura”, conta Seu Cláudio, 56, um dos fundadores do coletivo.
As oficinas são gratuitas e financiadas por doações locais. Quando falta tambor, o som vem de baldes. Quando falta energia, a luz dos celulares ilumina o ensaio. “O importante é não parar”, diz Gabriela, sorrindo enquanto ajeita o surdo apoiado no joelho.
Moradores relatam que, desde o início das atividades, as noites ficaram mais movimentadas e seguras. Crianças antes isoladas em casa agora correm pela praça, enquanto mães e avós se reúnem nas calçadas para ouvir o som do grupo. “É bonito ver o povo se juntando de novo”, comenta Dona Marlene, que mora na ladeira há mais de 40 anos.
Fé e arte em meio ao caos
A poucos metros dali, na esquina da Rua Marechal Falcão, o pastor Carlos Henrique abre as portas da pequena Igreja Comunidade da Esperança para oferecer jantar solidário às quartas-feiras. “A gente reza, come e canta junto. O bairro precisa disso: fé e abraço”, resume ele.
Em um território onde o Estado pouco aparece, a solidariedade virou rotina. Grupos de jovens, mães e artistas têm se unido para reconstruir laços e ocupar espaços abandonados pelo poder público.
“Não queremos manchete. Queremos vida”, diz Cláudio, olhando para o morro iluminado.
Entre as batidas do tambor e o cheiro de comida simples vindo da igreja, o Andaraí mostra que, mesmo em meio ao caos, há quem insista em tocar — e acreditar.


